Fragmentos de estilo: o retorno do granilite
Resistindo às amarras do tempo, o granilite, também conhecido como terrazzo, voltou à cena da arquitetura de interiores nos últimos anos, após um hiato de cinco décadas. Ressignificado, o elemento plural e descolado une o seu valor histórico a uma nova estética contemporânea.

Deitar ao ar livre e olhar para o céu em uma noite de tempo bom é uma experiência incomparavelmente bela. Para alguns, pode ser, até mesmo, espiritual e meditativa. Para quem está no hemisfério sul, é ainda mais intensa — daqui, é possível enxergar a faixa brilhante e difusa que circunda toda a esfera celeste: a Via Láctea. Milhões de estrelas brilham em meio a um escuro e profundo pano de fundo.
Na arquitetura, há um elemento que se assemelha a essa cena, com uma história marcada por retornos que remetem a acontecimentos astronômicos, como a passagem de cometas e eclipses de tempos em tempos: o granilite. Produzido à base de areia, água, cimento e acrescido de grânulos de diferentes pedras naturais, como o mármore, o quartzo e o granito, o revestimento pode ser aplicado em todo tipo de superfícies.
Também conhecido como terrazzo, teve origem na Grécia Antiga, mas foi aperfeiçoado na Itália, considerada, atualmente, berço e uma das maiores exportadoras do material no mundo. De lá para cá, o recurso foi marcado por ciclos, alternando a sua presença em projetos arquitetônicos. No Brasil, as décadas de 70 e 80 foram definidas pela estética dos grânulos em diversos tipos de revestimento.
Após um longo período longe dos moodboards de arquitetos e designers, o elemento volta aos projetos em placas desenvolvidas com tecnologia de ponta, que transforma pequenos fragmentos de pedras naturais que não são aproveitados pelas jazidas em chapas de grande dimensão com padrões singulares. Além da versatilidade, os granilites encantam pela pluralidade de cores e formatos, atraindo olhares e inspirando como só as noites mais estreladas são capazes de fazer.

A gênese do terrazzo foi em Veneza, onde, após a queda do Império Romano, as pedras que davam origem aos grânulos começaram a ser extraídas das regiões de Carrara, Bréscia e Verona — nesta última, o calçamento, que existe até hoje, foi feito com fragmentos dos mármores Rosso Verona e Perlino Rosato, rochas de tons vermelhos claros e escuros.
Para o arquiteto Thiago Mondini, passado e presente ensejam uma conexão nas criações. “Granilites são revestimentos extremamente versáteis cujo uso se torna coerente em projetos dos mais variados estilos. Em projetos clássicos, ele pode compor atmosferas mais ostensivas e outras mais despretensiosas, lembrando muito a aplicação que já os antigos romanos e, posteriormente, os venezianos do renascimento faziam, com aproveitamento de lascas e pedaços de mármore”, sugere.

O revestimento é um dos destaques do apartamento feito para pai e filho, em Curitiba, assinado pelos arquitetos Guilherme Belotto, Camille Scopel e Thiago Tanaka, do BST Arquitetura. O projeto, que é permeado por tons sóbrios, peças de design assinado e obras de arte, utilizou o granilite para trazer textura para a composição, pois possui um aspecto natural diferente dos materiais industrializados.
A escolha por tons dominantes não foi por acaso. Quando o cliente entrou em contato com o escritório, já havia feito toda a área íntima do apartamento. Então, para que houvesse uma unidade entre os espaços, o trio optou por características que já haviam sido utilizadas, como as cores de paredes, portas e piso. “A partir desta base, buscamos elementos que trouxessem algo diferente para projeto”, contam.

Na década de 60, a evolução das técnicas de extração possibilitou a retirada de extensas placas de mármores, quartzos e granitos, popularizando o elemento em projetos de interiores. O utilitarismo do movimento moderno também tem um papel significativo nessa ascensão. Cinco décadas depois, os granilites voltam a aparecer nos cenários do cotidiano em ilhas, móveis, pisos, paredes, ornamentos — e onde a imaginação permitir.

Esse movimento do terrazzo, que já pode ser considerado vintage, ilustra os ciclos estéticos na arquitetura e no design. Analistas de tendências defendem que um período de 20 a 30 anos marca o retorno de signos para a moda. No caso do granilite, um produto com valor histórico e presença em diferentes épocas, é seguro dizer o material transcende os limites do tempo.

A conexão entre design e arte é um dos pontos altos do projeto assinado pelo escritório BST Arquitetura, permeando todos os espaços sociais do apartamento. Nesse contexto, o granilite em concreto preto com agregado exposto cria um pano de fundo autêntico, que ao mesmo tempo dialoga com as peças eleitas de forma equilibrada.

Com combinações de cores que atraem os olhares, este apartamento na capital do Paraná equilibrou uma paleta de tons sóbrios com detalhes que inspiram, peças de grandes designers brasileiros e obras de arte contemporâneas.

O backsplash, espaço vazio entre a parede da bancada, do fogão e dos armários suspensos, é um clássico da decoração de cozinhas. A área pode ser transformada com a aplicação de granilites, como no projeto da arquiteta Juliana Pippi, que buscou inspiração no mar para a concepção marcada pela leveza visual: “Podemos definir tanto as cores do cimento na base como os tamanhos e as cores das pedras na composição. O mais interessante é que são únicos, jamais ficam iguais a outros”.


Modernidade é a palavra-chave na hora de eleger granilites. Apesar de ser histórico, a ressignificação do elemento faz com que ele simbolize, simultaneamente, alto valor estético e jovialidade. Por isso, está presente nos projetos assinados pela arquiteta Thay Santana, que aposta no terrazzo tanto em revestimentos quanto na decoração.
Um de seus preferidos é o Vendome, um tipo único de mármore multicolorido extraído na França. A composição é caracterizada pela fusão de fragmentos quebrados de diferentes tipos de pedra, criando uma colagem orgânica de formas e cores, como amarelo dourado, verde oliva e roxo escuro.

Resistência é palavra-chave na hora de compor um ambiente. Fatores como circulação, localização e exposição são fundamentais para escolher os revestimentos mais adequados. Além de preencher esses requisitos funcionais, terrazzos são elementos sofisticados, que levam uma estética histórica e autêntica a projetos arquitetônicos e de interiores.

Neste espaço comercial assinado pelo escritório Pitá Arquitetura, o granilite foi eleito para áreas de circulação intensa graças à durabilidade do material. “Utilizamos uma composição com base branca, pedras pigmentadas em um tom azul petróleo, com pedras claras, cristais e pedaços de cobre”, explicam os profissionais.

Extraído de uma ilha italiana em Porto Venere, próximo a Cinque Terre, o Mármore Nero Portoro tem uma beleza delicada. Com fios de ouro, que podem ser encontrados nas montanhas de origem, é um dos que roubam a cena onde estiverem: exótico, tem tons levemente acobreados sobrepostos na profundidade do preto.

Em terrazzos, a imponência da pedra natural é equilibrada com a irreverência da estética típica desse tipo de composição, sem que se perca o luxo intrínseco à pedra, como mostra o moodboard criado por Thay Santana.

Cosmopolita e elegante, o projeto concebido pelo escritório BST Arquitetura partiu de uma mesa de seis metros de comprimento com tampo em mármore, textura escovada e aspecto natural. Ao fundo, a parede de granilite reforça esta linguagem. “Buscamos acabamentos em madeira com tom mais escuro, couros, metais vidro fundido, piso em madeira. A formalidade do espaço é quebrada com layout do sofá, que cria microespaços de conversa com o encosto solto”, compartilha o trio.


Explorando o clássico black and white, o Palladio Moro é extraído em uma jazida de Verona, a uma altitude de 800 metros, área onde surge o mármore de alta qualidade. Como terrazzo, a pedra natural é feita de uma mistura de grânulos de mármore: seixos brancos de forma orgânica cobrem uma única camada preta. O resultado é um padrão macro, intenso e sempre singular.

Geralmente, os aglomerados são compostos por 95% de mármore. Os 5% restantes são uma mistura de resinas, que o tornam ainda mais resistente a abrasão e impacto. Os fragmentos são obtidos de resíduos das escavações locais, um processo circular para eliminar o desperdício e limitar os danos às jazidas.

A pedra eleita para a ilha do projeto concebido pela arquiteta Mariana Maisonnave foi um marmorite italiano na cor Arabesco Bianco, um material processado, feito com grânulos de pedra de mármore de diversas dimensões e pó de mármore, misturados com resinas que conferem maior resistência à pedra natural. “No nosso living gourmet, optamos por colocar uma iluminação na parte inferior da bancada de marmorite, valorizando as pedras naturais mais claras, que permitiam a permeabilidade da luz, causando um efeito lindo”, conta a arquiteta.

A busca pela luz natural e o aproveitamento inteligente do espaço norteou o projeto assinado pela arquiteta Andressa Venturini. O loft é completamente integrado, mas com a possibilidade de preservar a área íntima: quarto, área de banheira e closet. “O estilo de vida da própria cliente inspirou a criação, com estética natural, cores claras e com a máxima ‘menos é mais'”, diz Andressa.


No cenário que conta com objetos de design assinado, como o sofá Modular, do Estúdio Bola; as banquetas Evo, de Adolini e Simonini; e a namoradeira Balanço Fusion; o granilite personalizado entra como elemento central, pois participa e integra todos os ambientes do loft.

O arquiteto Gabriel Bordin acredita que granilites abrem um grande leque de utilização, principalmente pela variedade de cores e contrastes em que é possível encontrá-los. Essa característica se deve às infinitas combinações que podem ser criadas a partir de grânulos de diferentes pedras naturais.
Para quem curte granilites com base neutra, que permitem abusar de cores ou manter a monocromia, o Palladio Griso, de origem italiana, é o modelo indicado. Com nuances de cinza, o aglomerado esbanja resistência e neutralidade, características que permitem a combinação com outras pedras.

A integração de elementos étnicos e rústicos com a arquitetura de estilo contemporâneo, por meio de formas geométricas e assimétricas, marca o projeto para a casa no lago executado pela arquiteta Thay Santana. Os pilares esculpidos em madeira remetem à cultura indígena e vão ao encontro da tribo homenageada, os extintos Paiaguás, que habitaram a fronteira Brasil-Bolívia nas nascentes do hoje chamado Rio Paraguai.

“Nesse ambiente utilizamos o granilite tanto nos revestimentos quanto nas decorações”, conta Thay. O revestimento aplicado foi o Caça ao Tesouro, espelhando o formato geométrico do teto na composição da paginação de piso, associado ao revestimento amadeirado. Para deixar a produção ainda mais contemporânea, o escritório utilizou o mesmo material na bancada da cozinha, dando continuidade ao elemento.

Para Gabriel, o granilite “une o aspecto único e sofisticado da pedra natural a um estilo mais despojado, despretensioso, fugindo do aspecto nobre ‘sisudo’ de alguns mármores”. Quando explora as possibilidades do elemento, o arquiteto caminha para uma linha moderna-retrô, brincando com as peças de cores mais vivas ou mimetizando a natureza nos tons neutros.
O Euro Terrazzo Luminous, eleito para o moodboard do arquiteto, tem fragmentos dos mármores Nero Marquina, Rosso Verona, Bardiglio, Carrara e Calacata sobre fundo branco – um passeio por diferentes destinos italianos. Em apenas uma composição, a força intrínseca de cada uma das rochas naturais reverbera, criando cenários ricos e cheios de história.

Traduzir a ideia do natural de uma forma inovadora e prática. Foi esse o objetivo das arquitetas Monique Pampolha e Hannah Cabral, do Studio MH Arquitetura, na composição deste projeto que explora o porcelanato em granilite.

“A intenção foi remeter ao original marmorite, mas de uma forma mais moderna. Escolhemos o tom de cinza escuro, que cobre não somente o piso, mas sobe pela parede trazendo uma ideia de continuidade e amplitude”, conta o duo.

As sócias costumam usar terrazzos em áreas externas, espaços gourmet e banheiros, principalmente por conta o ar retrô que ele confere aos espaços, de acordo com a dupla, “sem deixar o aspecto sofisticado de lado”.

Apesar da origem italiana, o granilite é tendência em todo o mundo, seguindo a tradição das requisitadas jazidas do país que é referência em design. Para os arquitetos Franciano Valente e Maick Rocha, do TETO Arquitetura Unificada, isso se deve à estética retrô e ao resgate das memórias proporcionadas pelo elemento.

Essas características agregam afetividade a projetos de interiores, como uma releitura da casa que marcou a infância dos moradores. “É comum receber essa referência no briefing. Adoramos elementos que conectam os clientes com os gatilhos de suas melhores lembranças”, revela o duo.

No século 20, o terrazzo foi revivido em momentos em que estilo abraçou a decoração. Foi amplamente utilizado em edifícios públicos, pela durabilidade e fácil manutenção, sempre carregado de um ar de grandeza e uma associação com o estilo europeu. Em espaços comerciais, como a boutique em Nova York, chama a atenção de quem passeia pelo local, graças à combinação de rochas italianas, como Rosso Verona, Giallo Mori e Verde Alpi.

O aspecto vintage dos granilites, assim como a sua natureza desconstruída, faz com que as pedras roubem a cena em composições. Essa característica se multiplica quando há a combinação de diferentes estilos de pedras naturais – um recurso que pode e deve ser usado na decoração, afinal, o que não faltam são espaços para aplicar terrazzos.

No segundo moodboard produzido pelo duo do TETO Arquitetura Unificada, Franciano e Maick exploraram o Quartzito Arenas, pedra com fundo claro e rajados em tons terrosos; o Rockface Gris Armani, pedra grafite bruta, com textura e formas acentuadas; e o Quartzito Tiffany Green, com fundo verde exótico. Ao fundo, emoldurando o trio de rochas naturais, o granilite Palladio Doge, de origem italiana, feito de resina creme e pedras nobres brancas, foi o eleito.
